6 de janeiro de 2011

REMEXER NAS CINZAS, ATIÇAR O FOGO



2010: Rescaldo primeiro


No que se refere ao xadrez competitivo em Portugal, a pergunta do ano (para mim) foi a questão levantada por Rúben Elias, no blogue Casa de Xadrez (Agosto, 2010) sobre os custos de participar num torneio oficial.

Rúben Elias que é um xadrezista bastante interventivo, com provas dadas como cineasta experimental da modalidade, referia-se em concreto à Fase Preliminar do Individual Absoluto que se realizou, pela terceira vez consecutiva, num hotel da Amadora.

A prova, disputada durante nove dias, é a semifinal do campeonato nacional e contou com 69 inscritos. Quase metade dos quais (32 salvo engano), vindos de outros distritos, a necessitar de alojamento.

Rúben Elias fez as suas contas. Somou o valor das inscrições à diária proposta pela direcção do torneio, para aquele hotel e acrescentou-lhe o custo das refeições (pagas à parte) de preço bonificado.

Sem contar com as despesas de deslocação, muito variáveis, aquele xadrezista chegou à conclusão de que tudo o resto ficaria por 395 euros para quem dividisse uma habitação, subindo a verba para 575 euros para quem optasse por um quarto individual. E rematou a prosa interrogando-se se era barato ou caro jogar aquela prova, deixando a resposta ao critério de cada um.

O post mereceu alguns comentários, um ou outro mais acalorado, destacando-se o de Fernando Ribeiro (pelos apoios que teve), onde o ex-campeão de Portugal afirmava, p.ex., «(...) que o xadrez nacional já morreu há muitos anos!», desabafos que podem (e devem) ser consultados no blogue Casa do Xadrez.

Abstraindo questões como o da localização e da residencial em si (o problema poderia transpor-se para qualquer outro sítio) da força da prova e das razões para nela se participar, vamos cingirmo-nos ao seguinte: Para quem possa fazer aquela despesa para gastos numa semana com a modalidade e por gosto a essa mesma modalidade o que é que representa a verba de 600 euros?

Biblioteca de mestre-aprendiz

Para explicar como aplicaria 600 euros em coisas de xadrez vou aproveitar um esboço de lista de livros que fiz para uma pessoa amiga (Novembro de 2009) na convicção de que me perdoará a inconfidência, por julgar ser esta ocasião uma justa causa. Assim aconselhei:

1)  Porque sem conhecer a história do xadrez, a evolução das suas ideias e os seus actores principais nunca compreenderá a essência do jogo: a- "Os Meus Grandes Predecessores" de Garry Kasparov (colecção que vai em cinco volumes); b- "La Batalla de Las Ideas En Ajedrez" de Anthony Saidy; c- "Los Grandes Maestros del Tablero" de Ricardo Réti.; d- "O Jogo Imortal" (quase só texto) de David Shenk.

2)  Porque sem colocar os finais como estudo prioritário nunca conseguirá obter técnica de jogo (mesmo para as fases que o antecedem) e para lhe facilitar muito as coisas, neste capítulo, com excelentes cábulas/síntese: a- "Los 100 Finales que hay que saber" (2ª.ed.) de Jesus de la Villa; b- "101 Consejos sobre el final" de Steve Giddins. De resto há um punhado de "obras-primas" (complexas) sobre a matéria.

3)  Porque lhe convém ter uma perspectiva geral sobre os principais temas da partida e pode encontrá-los numa obra amena: "Compendio de ajedrez" de Miograd Todorcevic.

É claro que para tratados gerais mais completos tem autores como Roberto Grau (quatro tomos), Ruben Fine (El Médio Juego), Pachman (Táctica e Estratégia, separados) Euwe (Juízo e Plano), Aaron Nimzowitsch (Mi Sistema /essencial!/ e Prática de Mi Sistema), Mark Dvoretsky (vários) e Artur Yusupov , Kotov (Pense como um grande-mestre) etc. Pequeno mas muito didáctico são os "Fundamentos de Xadrez" de Capablanca e as colecções de partidas analisadas por Alekhine(Mis mejores partidas: I e II), Botvinick (Estratégia I, II, III) e Fischer (64 melhores jogos). Há ainda livros de culto de Bronstein (Ajedrez de Torneo e El Maestro de La Improvisacion), Mikhail Tahl (Prática del Ajedrez Magistral) e de muitas outras grandes personagens do xadrez, desde que sejam, de facto, os verdadeiros autores (e não apenas coordenadores) das obras que assinam.

4)  Porque quererá conhecer os temas de vanguarda (depois de ter entendido os clássicos) e diversos aspectos da luta no tabuleiro (da moderna preparação teórica e técnica à psicológica), ainda de forma clara e amena: a- "Los Secretos de la Estratégia Moderna en Ajedrez" de John Watson (uma critica erudita à obra de Nimzowitsch); b- "Maestria en Ajedrez" de Jacob Aagaard (com algo de critica a Watson...); "Los Siete Pecados Capitales" e "Ajedrez para Cebras" de Jonathan Rowson; e "Lecciones de estratégia en ajedrez" de Valeri Beim.

Ora retirando o prolixo autor Mark Dvorestky (Secretos de Entrenamiento, Secretos de Táctica, Segredos de Juego Posicional, etc.) e o em conjunto com Artur Yusopov (Técnica Para El Jugador de Torneo, e Clases de Ajedrez só de A.Y.) que totalizariam 101 euros; e de Roberto Grau (Tratado General de Ajedrez; obra de quatro tomos que custa 69,25 euros); mais os dois livros de Ludek Pachman (que até há em português) e o de Ruben Fine (El Médio Juego) cujos preços (destes três últimos) nem sequer localizei, ficamos reduzidos a um pacote de 30 livros que não excederiam os 606 euros, a que ainda se poderia vir a abater uns 10% como desconto. Verba que já daria para recuperar os quatro livros de R. Grau (úteis para quem ensine) acima referidos, dentro do orçamento.

Três anos de leitura e amigos para sempre

A uma média (optimista) de estudo/leitura de dez livros por ano ocupam-se mais de 160 semanas de xadrez de qualidade, em contraste com uma semana de (eventual) sofrível jogo a arrastar as peças.

A Semifinal que em tempos até foi uma prova bastante forte (reduzida a três dezenas de participantes, com eliminatórias prévias complicadas, que apurava uns sete jogadores para a Final) agora apenas valia a média de 2110 pontos Elo para os dez primeiros dos inscritos, média que caia para 1864 pontos Elo contabilizando todos os jogadores. Prova modesta, mesmo por parâmetros portugueses. Talvez afectada pelo retrocesso regulamentar, pouco motivador para os mais ambiciosos (e categorizados ausentes), que é o facto dos apuramentos (três primeiros) só se concretizarem para a Final do ano seguinte.

Agora vejamos. O Rúben Elias que era o 46º da lista inicial acabou em 40º lugar. Fez 50% por cento, mas como beneficiou de uma falta de comparência, saiu negativo da competição, com 3,5 pontos em 8 com opositores de 1791 de Elo, 61 pontos abaixo do seu próprio valor. Se não me enganei nas contas, pois não encontrei a classificação final no site da FPX.

Se tivesse que despender aquela verba (hotel, etc.) para a dita Semifinal em vez de adquirir uma razoável biblioteca base teria feito um péssimo negócio. O paladar dos livros de qualidade nunca se esquece, mas das partidas próprias e seus resultados, ao nosso nível, pouco sobra para recordar. E por ali, nem o passeio... Jogar por jogar dispõe da internet domesticada.

Não lhe basta acumular livros em casa? Então promova no seu clube sessões de leitura e debate dos mesmos. Mas a sério. Por poucos que entusiasme no arranque, a coisa alastra. Lembra-se da estória dos grãos de trigo:, 2, 4, 8...? Verá que revoluciona o seu meio escaquístico e, quem sabe?, até poderá vir a ressuscitar (pelo menos em Mangualde) o xadrez nacional.